Ângela Rodrigues - jornalismo@portalamazonia.com
Foto: Acervo pessoal dos indígenas
RIO BRANCO – Índigenas do Acre têm sofrido com o descaso do poder público referente ao setor da saúde no estado. Em entrevista exclusiva ao portalamazonia.com, o líder da tribo Huni Kui, cacique Ninawá Huni Kui, denunciou a permanência de aproximadamente 200 indígenas da etnia Ashaninka, Kulina/Madja e de outras aldeias situadas ao longo da região do Alto Envira, onde o atendimento médico não tem chegado as comunidades.
O grupo concentra-se em instalações improvisadas, na região central da cidade de Feijó, distante 350 km da capital Rio Branco. O cenário preocupante é composto, em sua maioria, por mulheres, idosos e crianças apresentando sintomas como desnutrição, febre alta, vômito e diarreia. Eles aguardam a realização de consultas, exames e procedimentos cirúrgicos, alguns expostos a uma série de riscos.
Questionado sobre a necessidade da permanência desses indígenas no local, o líder explica que se faz necessário em virtude da dificuldade dos mesmos retornarem as aldeias. “Eles decidem permanecer para não perder as consultas, exames e cirurgias, já que os que retornam para as aldeias acabam perdendo o agendamento das consultas devido a dificuldade de locomoção. Eles levam até 12 dias para chegar à cidade. Isso com embarcação a motor. Sem motor, eles demoram até um mês”, explicou.
Foto: Acervo dos indígenas
Por telefone, uma enfermeira, que pediu para não ter sua identidade revelada, confirmou a situação de abandono enfrentada pelo grupo. “Todos aqueles índios estão aguardando atendimento médico. Ali há crianças com quadro de desnutrição, verminose, infecções respiratórias e outras doenças. Eles não falam a nossa língua, o que dificulta ainda mais a situação deles”, relatou.
Ela conta que frequentemente é procurada pelos índios em busca de atendimento ambulatorial. “Tem dias que sou surpreendida com eles na porta da minha casa pedindo ajuda, sempre muito doentes. Pedem também roupa e comida. Eles contam que muitos não conseguem chegar e, durante a viagem, muitas crianças acabam morrendo”, destacou a enfermeira.
O líder ressalta que os chamados Polos Base, onde deveria ser oferecido atendimento médico, encontram-se abandonados. “Os índios estão adoecendo, e lá não tem estrutura sequer para transportar os doentes. Nem telefone tem nos polos para acionar as equipes médicas. Tudo é muito difícil, pois falta inclusive combustível para o funcionamento das embarcações e, esse isolamento tem motivado a vinda de muitos para área urbana de Feijó”, explica o cacique Ninawá.
O líder informou que a permanência dos indígenas se arrasta desde o início do ano, onde permanecem sem que nada seja feito pelo poder público. Na última segunda-feira (2), duas crianças foram transferidas em estado grave para o Hospital da Criança e Pronto Socorro de Rio Branco, onde permanecem internadas.
Foto: Acervo dos indígenas
“O secretário nacional de saúde indígena, Antonio Alves, foi comunicado da situação que se encontram os índios daquela localidade. Em fevereiro, entregamos em mãos um documento relatando às dificuldades enfrentadas quanto ao acesso a saúde indígena”, disse o cacique.
Ninawá afirmou ainda que o secretário teria assumido o compromisso de construir uma Casa de Apoio em Feijó, para brigar os índios, que buscam atendimento médico e que também construiria um Posto Medico na Aldeia Hananeri, no Alto Envira, a fim de diminuir a vinda dos índios para área urbana, mas até o momento nada foi feito para solucionar o problema.
Ação na Justiça
Cientes da situação de vulnerabilidade dos índios acreanos, o Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC) entrou na Justiça Federal com uma ação contra a União para garantir a efetivação de uma política de saúde indígena que garanta atendimento nas aldeias. A medida foi acatada ainda em fevereiro e visa a contratação de profissionais de saúde, obras de saneamento e construção de postos de saúde, além de aquisição de produtos alimentícios e de higiene pessoal que possam garantir a integralidade do atendimento dispensado aos quase 16 mil indígenas do Acre.
O procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, autor da ação civil pública, ressalta que historicamente os índios passaram de donos do território à situação de marginalizados, sofrendo preconceito e sendo ignorados em razão de sua pouca força política, já que hoje representam menos de 2% da população acreana. Tal situação coloca os índios, em situação mais vulnerável frente a agravos de saúde quando comparados com o restante da população.
A situação de descaso e abandono a que os índios são submetidos é exemplificada na ação com a alta incidência de Hepatites do tipo “B” nas aldeias. Uma doença que tem prevenção por meio de vacina, mas que até hoje não foi alvo de uma campanha de vacinação que garantisse a imunização da totalidade dessas pessoas que residem em áreas de difícil saída e em sua grande maioria não tem como se locomover às cidades nas campanhas regulares de imunização.
Foto: Acervo dos indígenas
Crianças indígenas continuam morrendo em aldeias no interior
Recentemente foram registradas as mortes de aproximadamente 15 mil crianças indígenas em aldeias no interior do Acre vitimadas por doença até agora desconhecida. Diante de todos os fatos colhidos em inquéritos civis públicos, o MPF pediu à Justiça que determine a organização dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas conforme sua previsão original, com a contratação, no prazo de até um ano, de profissionais de saúde com salário compatível com os dos outros profissionais de saúde do Governo Federal.
Além disso, também foi pedido que seja determinada a construção de postos de saúde em todas as aldeias definidas nos Planos Distritais de Saúde. Também deverão ser executadas obras de saneamento básico, até o ano de 2014, bem como serem adquiridos alimentos e medicamentos de acordo com as indicações nos Planos Distritais, incluindo nessas aquisições kits de higiene pessoal a serem distribuído mês.
Justiça Federal aposta na “sensibilização” dos gestores
Ao analisar a Ação Civil Pública (ACP) impetrada pelo Ministério Público Federal do Acre, a juíza da 2ª Vara Federal, Cristiane Pederzolli Rentzsch, negou o pedido para a contratação, no prazo de até um ano, de profissionais de saúde, que inclui ainda a construção de postos de saúde em todas as aldeias. A magistrada intimou a União, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai) a se manifestar quanto ao cumprimento das ações acordadas. O processo encontra-se em tramitação no Tribunal Regional Federal da Primeira Região.
A Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC) informou que todas as negociações já se esgotaram, sem que fossem cumpridos os prazos estabelecidos ao longo do processo. A postura adotada pela Justiça Federal, segundo o MPF/AC, é de tentar sensibilizar os gestores públicos arrolados no processo. Passados quatro meses, a Justiça Federal ainda não avançou quanto à problemática, enquanto isso, os índios permanecem sem acesso aos serviços básicos de saúde.
Possível omissão será apurada
A secretária Estadual de Saúde, Suely Melo, informou ao portalamazonia.com que, embora a responsabilidade quanto à assistência aos indígenas seja exclusiva do Governo Federal, o Estado tem oferecido atendimento por conhecer a precariedade enfrentada nas aldeias, em especial as consideradas de difícil acesso. “Temos feito o possível quanto assistência médica aos indígenas por entendermos que o Ministério da Saúde ainda está se organizando e por sabermos da dificulta das equipes em chegar a todas as aldeias. E para diminuir essa demanda, o Governo do Estado tem realizado mutirões nas aldeias consideradas de difícil acesso”, declarou.
Questionada quanto a uma possível omissão por parte da administração do Hospital Estadual de Feijó em atender os indígenas, a secretária informou que estará acionando o médico responsável pelo Núcleo de Atendimento na Regional do Envira, para que este dê explicações do não atendimento aos indígenas em situação de vulnerabilidade, bem como a apuração da real necessidade do envio desses pacientes para Rio Branco para realização de consultas, exames e cirurgias.
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